quarta-feira, 14 de julho de 2010

MILAGRE

Esta história, mais que todas, merece ser lida. É uma lição de vida, de sofrimentos e de fé. Principalmente do resgate da fé quase perdida. Ela me foi enviada com a seguinte recomendação:

"Marcos,

Esta é uma história que não fecha com o objetivo das histórias do teu blog, mas é uma realidade. Não conto para postar, apenas para te contar, porque já são 4 da matina e perdi o sono."

Aqui peço desculpas ao autor por não atender seu pedido. Não terei sossego se egoisticamente guardar esse segredo que não me pertence.
Marcos Cordeiro.

Eis a história:

MILAGRE


Marcos, eu deixei o BB em 95 e iniciei um negócio de distribuição de pescado.
Comprei um furgão refrigerado e aluguei um espaço numa câmara fria para depositar meus produtos.
Ao lado funcionava uma lojinha de instalação de som automotivo e alarmes, pertencente a um ex-colega de Guaíba, que havia se transferido para o Cesec Bairro Anchieta no horário noturno.
Ali eu ficava nas horas vagas, entre uma entrega de mercadoria e outra.
Um dia ele me chamou e perguntou se eu não gostaria de participar de umas ações judiciais contra a Previ, que um outro ex-colega pedevista estava promovendo.
Não me interessei, até porque acreditava na época que a Previ não me devia nada, mas o colega, Marcos Castro, seu tocaio, insistiu dizendo: “Deixa de bobagem, me dá cá teus documentos, que tiro cópia aqui no fax, assina esta procuração e deixa a coisa correr”.
Assim concordei, entreguei meus documentos e assinei a tal procuração, mas quando ele me disse que deveria deixar 50 reais para despesas, aí a coisa mudou de figura e eu não quis nem saber mais de conversa.
Logo depois meu pequeno negócio não deu certo e eu me afastei dalí perdendo o contato com o Marcos Castro.
O tempo passou e as dificuldades vieram e com muita força. Meu dinheiro acabou, emprego eu não conseguia e para ajudar ainda tive um infarto em 1998 e outro em 2000. Fiquei em petição de miséria e não fosse minha mãe e minha esposa, que vendia roupas de porta em porta, não sei o que teria acontecido comigo.
No final de 2000, depois da cirurgia de ponte de safena, consegui um emprego como gerente local de uma transportadora sediada no interior do estado e por necessidade me obrigava a carregar caixas de iogurte dentro de uma câmara fria para nossos caminhões distribuírem durante a noite.
Foi realmente uma época difícil, meu médico queria me enforcar, mas eu realmente precisava.
Infelizmente a tal transportadora fechou e o proprietário, sem dinheiro o coitado, não tendo como me pagar, me deu um carro velho por conta. Realmente um verdadeiro “caco”, mas ao menos andava, meio mal, mas andava. Era tão velho que nem IPVA pagava mais e ainda por cima a álcool o miserável, mas era o que eu tinha, fazer o que.
Foi um trabalho que durou até meados de 2002 e logo consegui ajuizar ação contra o INSS e depois de muita luta me aposentei por invalidez, mas infelizmente com um valor muito baixo, valor este que só consegui aumentar para o teto depois de uma nova ação findada em 2005.
Era pouco, mas sem poder trabalhar e juntando com os “pingados” da minha esposa, dava para ao menos não morrer de fome.
No natal de 2003 o “calhambeque” ainda estava comigo, não que eu não tivesse tentado vender, mas a verdade é que ninguém queria e eu para fazê-lo andar já estava tão “craque” em carburador, que montava e desmontava até no escuro.
No dia 24 meu sogro mandou recado convidando para a ceia em sua casa, mas lá em Canoas, uns 30 km distante e a noite ainda por cima. Será que o “veículo” chega lá? Mas, como era por uma causa nobre, resolvi arriscar.
Não deu outra! Bem no vão central da ponte móvel do Rio Guaíba o “marvado” tossiu e não teve mais jeito. Empurrei ponte abaixo e parei na beira da rua. Montei, desmontei, remontei e lá pelas 3 h da madrugada consegui fazer o infeliz funcionar.
Claro, noite de natal perdida, voltei para casa e fui dormir. Depressão total!
Passados mais alguns dias, ano novo, vida nova, mas para os outros porque a minha continuava a mesma porcaria e até pior, porque a situação apertou de um jeito, que eu não tinha nem para comer mais.
Numa situação tão crítica conversei com a esposa e decidimos fazer a única coisa possível. Vamos tentar vender o “caco” e se ninguém quiser, vamos entregar para o desmanche, que pelo menos pode dar para as compras do mês.
Então fui para o centro de Guaíba, onde morava e moro até hoje, aproveitando para dar uma passada para visitar minha irmã, advogada e dona de uma imobiliária, onde trabalha junto com o marido.
Conversando sobre a situação crítica, muito calor lá fora e matando o tempo para aproveitar o ar condicionado, meu cunhado abriu a porta da sala dele e gritou: “Teu irmão ainda tá aí? Telefone prá ele!”
Pensei, “ué, quem pode ser? Quem saberia que estou aqui?”.
Fui atender e era o Marcos Castro, meu velho colega da lojinha de som: “Ary? Homem de Deus, onde tu andas? Faz uma semana que tento te achar. Lembra daquele advogado nosso colega? Aquele da ação contra a Previ?”
Surpreso, claro que eu não lembrava, afinal se passaram oito anos e muita água correu por debaixo da ponte: “Que advogado Marcos? Que ação de Previ? Não sei de nada?”
Então ele me explicou que o tal advogado, Dr. Barreto, precisava muito falar comigo. Deu-me um número de celular e me mandou ligar. Disse que o homem estava atrás de mim já há uns dois meses, que tinha ganhado uma ação e queria me pagar.
Claro que eu não entendi nada, afinal não entrara com ação nenhuma, certamente deveria ser engano, mas então a coisa ficou clara.
O tal advogado, depois de ter entrado com várias ações em grupos de três colegas, sobraram dois e ele procurava mais um para ajuizar a última. Esteve na lojinha do Marcos e perguntou se não havia mais alguém.
- Bem, não tenho mais ninguém, mas guardei os documentos e a procuração de um amigo, mas ele não quis pagar os 50 reais. É só o que tenho.
- Tudo bem, me dá esse aí mesmo sem os 50 reais, pelo menos eu fecho o grupo e ajuízo mais uma, a última.
Foi então que entendi o que tinha acontecido. Peguei o número de celular e liguei na hora, claro que num nervosismo só, afinal era dinheiro caindo do céu e isto não é todo dia.
A boca seca, as mãos tremendo, liguei e o homem atendeu.
- “Ary? É o Ary Taunay de Guaíba?
- Sim, sou eu mesmo!
- Finalmente te achei! Preciso falar contigo. Ganhamos a ação contra a Previ e estou com teu dinheiro. Encontra-me amanhã 11 h no saguão do Banrisul da Av. Cavalhada, que assinamos os recibos e já te dou o cheque!
E a ligação caiu. Tentei, tentei várias vezes e nada. Só dava telefone fora da área de cobertura. Continuei tentando até anoitecer, mas como minha irmã tinha que fechar, desisti e fui embora.
Embarcamos no “caco”, que escapou do desmanche por muito pouco e fomos para casa.
Naquela noite não dormimos. Nervos a flor da pele, porque o principal eu não fiquei sabendo. Afinal qual o valor do cheque? A noite foi de cálculos variados. Rebusquei papéis velhos da Previ, revisei todos os meus espelhos, calculei, recalculei, mas tudo sobre conjecturas, porque nem ao menos sabia do que se tratava a ação.
Amanhecendo o dia chegamos a conclusão de que deveria ser algo em torno de 5 mil reais, o que para nós já era uma fortuna e resolvia todos os meus problemas, dava até para consertar o “caco”.
A grana era curta demais e minha irmã me emprestara 20 reais para o combustível, mas minha esposa estava muito desconfiada, pois o Marcos era muito brincalhão e estávamos com medo que fosse algum trote, daqueles de fazer o sujeito ir lá para a frente do banco e ficar sonhando com cara de otário.
Por conta disso nos precavemos e fomos mais cedo e qualquer movimento estranho era só dar no pé antes do “click” de alguma máquina fotográfica.
Mas tudo transcorreu normalmente. Deu 11 horas e nada, mais um pouco e nada. Eu tremia que nem falava mais. Então estacionou uma Blazer do outro lado da rua e desceu um sujeito alto, pasta na mão, apressado. Eu não sabia quem era, muito menos se era o tal advogado, nunca o vi e nem sabia como era.
O sujeito entrou na agência, olhou em volta e me viu ali parado.
- Tu que é o Ary?
- Sim, sou eu.
-Prazer, Luis Barreto, estou com teus documentos e o cheque, vamos indo para o caixa porque estou atrasado. Na fila tu assina o recibo.
- Não Doutor! Espera aí, só um pouquinho. Afinal, que cheque? O que eu tenho para receber?
- Mas como? Eu disse ao telefone, tu não ouviste?
Botou a mão no bolso da camisa e me deu o cheque, dobrado. Eu abri e quase tive outro infarto. Estava ali, limpo e claro : Um cheque de 81 mil reais.
Eu não falava, mal respirava. Minha mulher tremia mais que vara verde e eu louco de medo, ainda não acreditava. Cheguei ao caixa. Ele mandou botar 80% na minha conta (era o banco da minha aposentadoria) e o resto na conta dele por conta dos honorários.
Eu ainda não acreditava. Tinha que ver as notas, então pedi 5 mil em dinheiro e a funcionária me deu. Era real, era verdade!
Assinei os papéis e ele foi embora.
Para ficar finalmente convencido, corri para o caixa eletrônico, saquei mais 1 mil reais e tirei extrato. Estava lá, tudinho na minha conta, aquele monte de números.
Amigo Marcos, se a minha fé em Deus estava em baixa por conta de tanta desgraça, fiz o “mea culpa” e pedi perdão.
Depois fiquei sabendo que nenhum dos processos dele tinha se resolvido ainda, pois a Previ embargava sem parar, apenas o meu, o último escapou, porque haviam perdido um prazo de recurso e foram obrigados a pagar.
Nunca me esquecerei deste dia.
Reformei minha casa e moro nela até hoje. Vendi o “caco” e comprei um que andava. Meu filho menor ganhou roupas novas e parou de usar sobras dos primos e tive o prazer de levá-lo para conhecer o Beto Carrero, mas o principal foi pagar minha dívida com o INSS e poder requerer a revisão do meu benefício, que chegou até um valor razoável para dar uma vida melhor aos que há tanto tempo me acompanhavam calados numa jornada tão penosa.


Ary Taunay Filho - Guaíba(RS)
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