sábado, 12 de junho de 2010

Velhas Máquinas

Isa Musa de Noronha



Em 1982 fui trabalhar na Administração do Edifício da Agência Centro Belo Horizonte. Lidava com móveis, utensílios, máquinas e até zelava pelos revólveres da vigilância. Sim. Houve um tempo em que os vigilantes eram do quadro próprio do BB. Logo no meu segundo dia aconteceu um acidente no Depósito de Móveis e Utensílios – o DMU. A agência havia substituído as velhas máquinas autenticadoras Burroughs pelas então modernas, autenticadoras Sharp. Aguardando ordem para a destinação do maquinário usado, essas foram colocadas em uma velha estante de aço, tão velhas (ou mais) do que as próprias máquinas. Quem as conheceu sabe: eram pesadíssimas. E não é que a estante veio abaixo e com elas todas as Burroughs? Pois coube a mim narrar o fato à Direção Geral, DEMAC e dar início à baixa no inventário da agênc ia. Muito serelepe e contrariando todas as normas da CIC COMUNICAÇÕES, fiz o comunicado em versos. Levei bronca da Gerência com direito a anotação restritiva em fé-de-ofício, mas recebi um memorando da vetusta Direção Geral elogiando a criatividade.

E foi assim que escrevi:

Ao
DEPARTAMENTO DE MATERIAL E SERVIÇOS GRÁFICOS – DEMAG
Divisão de Compras de Material – DICOM
Rio de Janeiro – RJ

Sr. Chefe,

E afinal a estante caiu.
Não suportou o peso
Tamanha sobrecarga
E veio ao chão
E com ela as máquinas.
Vinte e duas
Velhas aposentadas
Que autenticaram antes
Tantos papeizinhos tolos,
Míseros cruzeiros
Ou volumosas somas.
Pagaram auxílio funerário,
Converteram em espécie
Poucos dias de férias,
Abonos, PIS, PASEP
E o derradeiro FGTS.
A estante não poderia suportar.
Trazem as velhas autenticadoras
A dor comum de todos aqueles
Que no batel da vida
São afastados, empilhados,
Substituídos por outros,
Tão jovens – por isso tão leves.
Tão jovens – então melhores.
De quem é a culpa afinal?
Quem é o culpado
Do afastamento sumário,
Do expurgo primário,
Do exílio completo
De tudo que fica
Para o passado,
De todos aqueles que tanto
Serviram e hoje
Não servem mais?
Velhas máquinas de carne
Movidas a suor no trabalho,
Pago a preço bem pago
(mas não tanto)
Um dia seremos todos
Empilhados em qualquer
Estante de esquecimento.
Quem há de assegurar
Que não vão ruir também
Nossos sonhos
Esperanças
E planos?