quinta-feira, 24 de junho de 2010

Passeio na capital por conta do lucro!

Tomei posse no final de 1982 numa agência do sertão do Ceará, bem na divisa com a Paraíba. Éramos 26 novos funcionários provenientes em sua maioria de Fortaleza. Grande parte, jovens inexperientes em seu primeiro emprego que vieram desafogar a agência, na época trabalhando com uma quantidade imensa de adidos das mais diferentes localidades do país.

Os funcionários antigos já vinham armando um trote para cima dos calouros. Naquela época, nós recebíamos uma antecipação de um salário para ser pago em 25 prestações mensais sem juros. Junto com a documentação de posse que assinamos veio embutido um cheque avulso com a papelada da abertura da conta. Felizes da vida por estarmos tomando posse e sem conhecermos o famoso cheque avulso, assinamos em branco conforme nos foi solicitado. Só tomamos conhecimento para que serviria o tal documento (cheque avulso), quando no final do dia fomos ao caixa retirar nosso salário antecipado. Estava faltando uma parte dele. Tínhamos o recibo fornecido pelo SEFUN e o saldo era menor. Depois de pedir orientação aos nossos chefes fomos informados de que nós tínhamos doado parte dos proventos para a realização de uma festa na AABB local, comemorativa da nossa posse. Alguns até concordaram prontamente, como foi o meu caso, mas outros ficaram a se lamentar. Essa foi a primeira malandragem que aprontaram para os novatos. Dizem que cachorro que é mordido por cobra tem medo de lingüiça e depois dessa ficamos mais espertos, ou melhor, pensávamos que tínhamos aprendido a lição.

O final do ano vinha se aproximando e com ele a expectativa do lucro da agência. Perto do dia 31.12 eis que surge no quadro de avisos da agência uma convocação assinada pelo Gerente e Gerente Adjunto convidando possíveis voluntários que se encarregariam de levar o lucro da agência para Fortaleza com diárias e folgas. O alvoroço entre os novatos foi grande. Todos queriam fazer essa viagem não só pelo dinheiro, mas pelo fato de matar as saudades dos familiares. O comunicado dizia que seriam escolhidos apenas 03 funcionários. Todos os novatos se submeteram a uma entrevista na gerência para a escolha dos felizardos. Saíamos da entrevista confiantes e aguardando a tomada de decisão do gerente.

Passamos alguns dias numa cruel expectativa esperando sermos agraciados com a tal viagem. Chega o tão esperado dia para a divulgação dos eleitos. No dia 31 o resultado estava no quadro de avisos. Os três escolhidos não cabiam em si de tanta alegria e os outros preteridos se lamentando da falta de sorte.

Terminado o expediente do dia 31.12, já bem tarde, pois tudo era feito sem ajuda de computadores, a agência comemorava seu lucro obtido no ano. A viagem seria na manhã do dia 02 de janeiro.

Na manhã do dia 02 de janeiro a festa estava pronta na entrada dos fundos da agência. Os três colegas com o sorriso de orelha a orelha, engravatados, posando para o fotógrafo junto com um malote pesadíssimo. Canta-se o hino nacional e tudo. Nisso chega o carro de praça que levaria os três com o lucro para Fortaleza. Os outros novatos só se lamentando da falta de sorte. Os três escolhidos quase não dando conta de levantar o malote embarcam no carro e iniciam a viagem. Entramos na agência para o primeiro dia útil de trabalho. Não demora 10 minutos e o motorista retorna com os três alegando que faltava um documento comprovando o teor da remessa. Todos foram para a porta da agência, inclusive o fotógrafo. O gerente alega que o lacre do malote estava violado e que poderia ter sumido dinheiro. Foi um Deus nos acuda. Os colegas responsáveis pela guarda do malote durante a viagem ficam aterrorizados. O gerente pede para abrir o malote ali mesmo na rua.

Quando o malote é aberto o desespero dos três se mistura com as gargalhadas dos veteranos. O malote estava recheado de pedra e areia. Foi aí que os três se deram conta que tinham caído noutra cilada dos funcionários antigos. Nessa hora eu agradeci por não ter sido um dos escolhidos. O pior de tudo foi ter essas fotos estampadas no quadro de avisos da agência por um bom período. A gozação não ficou restrita ao ambiente da agência.

Que saudades eu tenho do BB que conheci como uma mãe e se tornou uma madrasta a partir do dia primeiro de janeiro de 1990.



Gilvan Rebouças,

Matr. 5.529.063-9