terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Os muitos Bancos do Brasil, de antigamente e de hoje.

“Sou uma Sombra! Venho de outras eras/Do cosmopolitismo das moneras.../Pólipo de recônditas reentrâncias/Larva de caos telúrico, procedo/Da escuridão do cósmico segredo/Da substância de todas as substâncias!” Poeta Augusto dos Anjos.

OS MUITOS BANCOS DO BRASIL, DE ANTIGAMENTE E DE HOJE.

Holbein Menezes

O Contador da Agência chamava-me, e segredava: “-Você vai a Camucim levar numerário.” Enchia-me de felicidade não só pela distinção como também por mais um dinheirinho no bolso. (Nesse tempo, em 1945, os funcionários recebiam seu magro salário em espécie, dentro de envelope comum e aberto, das mãos do Chefe de Caixa. Poucos de nós tinham conta em “Depósitos populares”, que rendia (RENDIA!) 3%a.a. Mas o Gerente, o Contador, o Duarte e o Assumpção, os mais antigos funcionários da Agência, esses mantinham conta em “Depósito sem Limites”, que pagavam juros de 5%a.a.
Sim, nessas remotas “eras das moneras”, no dizer do poeta, o BB pagava juros pelo saldo credor dos depósitos, e não cobrava pelos cheques nem taxas por serviço de espécie alguma. E dava lucro! A agência de Sobral dava lucro, descontadas todas as despesas inclusive de juros à Direção Geral pela reserva de numerário que mantinha nos seu grande cofre verde!
A “viagem de numerário”, como chamávamos o reforço de caixa às coirmãs sob nossa jurisdição – Crateus e Camucim – era feita de forma precária, e perigosa: dois funcionários munidos cada um de um revolver 38 e seis balas ao mais das vezes vencidas, tomavam o trem na Estação do Patrocínio às 5 hs da matina, punham as malas de dinheiro (de couro curtido ao natural) no bagageiro comum (gradil) do vagão – punha-as, as “nossas” malas, entre as muitas malas dos passageiros –, e nos sentávamos os dois bancários no duro banco de madeira logo abaixo de onde estavam as malas de couro cheias de dinheiro.
[Nos meus trinta anos de Banco nunca soube de um único assalto sequer, nem roubo do numerário transportado dessa maneira primitiva. Nem mesmo quando me transferira para a agência de Fortaleza (em 1946), e fiz muitas dessas viagens de numerário para reforçar os caixas das agências de Mossoró e Teresina e Crato. Para Mossoró e Teresina, o transporte era feito em automóvel de praça, alugado; que saia de Fortaleza às 18 hs, após o expediente. Viajávamos a noite inteira para chegar altas horas da madrugada nas cidades de destino. Para Crato, utilizávamos o trem: às 5 hs da matina o trem saia de Fortaleza e às 18 hs chegava em Iguatu; aí dormíamos não sem antes guardar as malas com o dinheiro no cofre da agência de Iguatu; às 4,30 hs da matina do dia seguinte – pelo mesmo “carregador” de malas adrede contratado – pegávamos as duas malas depositadas no cofre da agência de Iguatu e prosseguíamos viagem até Crato, cidade ao Sul do Ceará, aonde chegávamos às 17 hs. Já no dia seguinte, pelo trem das 5 horas voltávamos para Fortaleza ou com as malas vazias – e aí não ganhávamos o adicional extra pelo tempo de condução de dinheiro sob nossa responsabilidade; por isso, torcíamos para que houvesse recolhimento à agência de Fortaleza do dinheiro chamado “dilacerado”, que eram as cédulas que iriam sair de circulação mas que, contabilmente, e até o recolhimento ao Tesouro Nacional, era dinheiro igual a qualquer outro, e por isso fazíamos jus ao adicional extra. Verdadeiras epopeias! Então... vivíamos em “outras eras!” e o Banco também era outro.]
Após minha chegada ao Rio de Janeiro, em 1956, na tentativa de salvar o filho de 10 anos vítima de leucemia (mas não logrei... Merde!), logo na chegada encontrei um Banco diferente: um Banco de solidariedade!
Fui servir por influência do secretário do Presidente Sebastião Paes de Almeida (por esse tempo, Presidente do Banco não era qualquer pelego sindical formado nas cloacas sindicais), o Colega Hélio Barroso de quem eu jamais ouvira sequer falar o nome (mas ele conhecia o meu e meu drama!), fui servir em um gabinete de Departamento da Direção Geral. O então Chefe desse Departamento – antes, enquanto Inspetor de Serviço da Direção Geral era conhecido no Banco como “carrasco” de gerentes, já tendo nos costados, por denúncias suas, três suicídios de administradores de agência; portanto um “caçador de bruxas”; como eram, aliás, quase todos os Inspetores de Serviço de então – o “malvado” Chefe desse Departamento chamou-me a sua sala e disse-me, com voz macia e calma: “ – Fui informado de seu desesperado drama, para fazer jus às regalias que o Banco concede aos funcionários transferidos no interesse do serviço, nomeei-o “Auxiliar de meu Gabinete”. Mas sua tarefa aqui no Gabinete é cuidar do seu filho; o Colega pode vir ou não vir trabalhar, pode vir e sair a qualquer hora e pelo tempo que se fizer necessário. Como disse, sua tarefa é cuidar de seu filho!”
O Secretário do Diretor da IV Zona (Nordeste e Norte do País), que eu jamais conhecera anteriormente, mas muito cedo torna-se, graças a sua ilimitada generosidade, meu mui estimado e nunca esquecido amigo Mario Lima (ainda vivo em Niterói, talvez com quase cem anos de idade!), Mario Lima junto com Dona Venus – secretária da presidência para assuntos de funcionários – deram a mim e a minha numerosa família (mulher e seis filhos!), proporcionaram-nos regalias extraordinárias tais como, por exemplo, transportar de Fortaleza ao Rio, por conta do Banco, pelo “Constellation” da Panair todos os meus familiares e até a empregada doméstica que nos servia fazia anos; conceder uma verba mensal especial para compra dos caríssimos medicamentos, e até para prover alimentação especial para o infante, enfermo terminal!
Aconteceu, por esse tempo, situação assaz significativa daqueles tempos em que o fator humano era a riqueza maior do Banco: o remédio que o garoto tomava custava quase cem reais em moeda de hoje o vidro com 20 cápsulas de 20 mg; e o garoto tomava dez comprimidos por dia, ou seja, 200 mg, um vidro em cada dois dias! O Banco pagava tudo!
Aconselhado pelo médico General João Maia Mendonça, Diretor do Serviço de Hematologia do Exército, que tratava o garoto, aconselhado pelo Dr. Maia Mendonça levei o caso, mediante circunstanciado relatório elaborado por ele, ao conhecimento de um cientista de São Paulo que estava a desenvolver um tratamento radical contra a leucemia que, se a não curava ainda, estava a produzir maior sobrevida.
Esse cientista, que me não perdôo ter esquecido o seu douto nome, após ler o relatório do Dr. Mendonça sugeriu a ele em resposta e por escrito que aumentasse a dose do caro medicamento, de 200 mg por dia para DEZ gramas. Ora, se já era difícil ministrar ao garoto dez cápsulas de 20 mg por dia, imagine-se quinhentas cápsulas... Ora ainda, se um vidro de 20 cápsulas de 20 mg custava quase 100 reais em moeda de hoje, e o garoto consumia meio vidro por dia(!) imagine-se quanto não custariam 500 vidros para totalizar os 10 gramas sugeridos!
Impossível ministrar! E impossível comprar! Impossível!
Mas naqueles priscas eras o Banco cuidava de seus funcionário e da família de seus funcionários: havia o eficiente Serviço Médico de saudosa memória, lembram-se?
Foi aí que mais uma vez surgiu a benfazeja mão do amigo Mário Lima – que meu santo padim pade ciço vele por sua vida para todo o sempre, Amém! Mario Lima foi ao Diretor da Primeira Zona responsável pelos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, sob cuja jurisdição (Rio) ficava o Laboratório Schering produtora do medicamento, e o Dr. Araes – o velho e sábio Diretor da 1ªZona do Banco – pediu ao Diretor do Laboratório Schering que fabricava o remédio que fabricasse 500 cápsulas do medicamento, mas... de um grama cada cápsula!! (Estoque suficiente para 50 dias!)
Para sanar essa quase impossibilidade foi preciso paralisar a linha normal de fabricação do remédio em cápsulas de 20 mg, e adaptar a maquinaria para fabricar cápsulas de um grama; e, pasmem! numa simples tarde fabricou-se as 500 cápsulas de um grama que necessitávamos!
Esse era o Banco da Direção Geral em 1956: sobretudo humano; sábio o bastante para pôr o patrimônio humano acima de qualquer outro patrimônio; solidário o suficiente para atribuir à solidariedade papel de tarefa fundamental. Como sói ser um Banco do povo e para o povo.
O Banco de hoje, dominado pelos pelegos sindicalistas do PT – oh! desgraça! das desgraças! – é aquele estabelecimento bancário do pior e mais perverso capitalismo sindical – aliás, meu irmão escritor, prêmio Jaboti, um dia escreveu: “O pior patrão é o ex-empregado!” – cuja administração de uma de suas ruidosas agências cá da Praia de Iracema negou-se a abrir para mim – que mantinha e mantenho conta no Banco e só no Banco do Brasil desde junho de 1943 –; isso não obstante, negou-se a Administração da agência da Praia de Iracema a abrir para mim uma conta a fim de eu poder receber meus proventos de aposentado da PREVI! Simplesmente a Gerente de Atendimento comunicou-me, seca e cruelmente: “- Não interessa à agência abrir conta para o Senhor”.
Felizmente a roda da vida gira e, hoje, graças ao vulto de mensagens dirigidas à Ouvidoria do Banco e ao Gerente Geral da agência, mandadas as mensagens por amigos espalhados pelos quatro cantos do País, voltamos a ser Colegas, o Gerente Geral da agência da Praia de Iracema e seus Gerentes de atendimento, em especial a querida Gerente que proferiu aquela terrível sentença.

Holbein Menezes