sexta-feira, 23 de julho de 2010

O VELHOTE DO CAROÇO

Marcos, em 1979 eu consegui uma transferência e estava finalmente na minha terra natal, Guaíba (RS), de mala e cuia.

A Agência era grande e bem diferente das duas onde já tinha trabalhado, a bem da verdade na terra da gente é tudo diferente, ainda mais que a clientela é conhecida e nunca falta “Oi como vai teu pai? Como vai tua mãe?”, e isto era muito gostoso mesmo.

Para não fugir à regra, nem tudo era perfeito e a agência tinha uma deficiência em “material” feminino, o que dificultava lotar alguém na “Plataforma”.

Sendo assim a administração optou por utilizar dois rapazes, funcionários novos e até “bem apessoados” e fui um dos escolhidos. Gostou dessa? Eu hein? “Alain Delon de Guaíba!”. Que saudade! E dizer que até cabelo eu tinha!

O outro se chamava Gerson, meu amigo desde a infância e formamos uma dupla das boas.

Eu já era casado, ele quase lá e nos valemos de uma boa amizade com o gerente da CEF para conseguir um financiamento do BNH(lembra?), pois já tínhamos comprado terreno, faltando só a “verba” para a construção.

A coisa não era fácil, construía primeiro e recebia a liberação da parcela depois da vistoria do engenheiro da CEF, mas sendo a única alternativa da época, tivemos que encarar assim mesmo.

Inevitável que logo ficamos numa penúria danada e estávamos sempre jogando com o dinheiro de um e do outro. Era na base do “vendo meu carro e te empresto um pouco, mais adiante tu vende o teu e me devolve”, enfim uma verdadeira ginástica financeira.

Eis que, trabalhando na Plata, éramos os encarregados de entregar os carnês do INSS para os aposentados, pois naquele tempo nem se falava em cartão magnético.

Um belo dia recebemos um novo “produto”. Um seguro de vida para vender. Exigências poucas, coisa da época. Era só preencher os dados e nomear o beneficiário. Nunca vendemos nenhum.

Em meio ao expediente, ele atendendo aberturas de contas e eu entregando os carnês, olhei para a fila e vi um “velinho”, que tinha um “caroço” horrível bem no topo da cabeça. Coisa muito feia, sem dúvida era um tumor exposto.

Cutuquei o Gersom e disse: “Olha lá, aquele velinho do “caroço”, não dura dois meses. Vamos fazer um seguro daqueles para ele e entramos como beneficiários. É fácil e ele nem vai saber o que está assinando”!

Claro que meu companheiro (cumpanhero não, por favor) se empolgou na hora. “Bah, pagamos as contas e ainda terminamos a casa”.

Nesse conversa daqui e dali, eu atendi o velhote e o dispensei. Deixamos para o mês seguinte, dando um prazo para discutir melhor o negócio.

Foram 30 dias de planejamento intenso, armamos até uma estratégia para “aliciar” o potencial defunto. Contas de todas as formas. Sonho de vida resolvida, até carro novo pintou nos planos.

Em poucos dias eu fui mandado para a Tesou e ele ficou lá com outro colega. Não voltei mais e nosso plano foi para o espaço. Nossa riqueza ficou só no sonho, embora soubéssemos que na hora “H” não teríamos coragem de fazer, mas pelo menos valeu sonhar com os milhões.

Passou o tempo, fui embora de Guaíba e ele também. No início da década de 90 estávamos de volta, quase ao mesmo tempo.

Eu na bateria de Caixa e ele novamente na Plata.

Por ironia do destino, me coube pagar os aposentados do INSS, coisa que fazia com o maior prazer, pois realmente gostava de ver a felicidade deles pondo a mão na grana e digitando a senha com as mãos trêmulas, como se aquilo fosse a coisa mais importante de suas vidas.

Lembro de alguns, já trôpegos, que paravam na minha frente e os amigos gritavam lá da fila: “Fulano, agora põe os números, aqueles do papel”. Ô tempo bom. Saudades!

Marcos, pois não é que eu levanto a cabeça e chamo “Próximo” e quase caí do banquinho, veio de lá, mais de dez anos depois o velhote do “caroço”, firme e sorridente, com o caroço do mesmo jeito!

Olhei para a Plata e chamei o Gersom. Bastou ele levantar a cabeça e teve um ataque de riso. Eu outro. Larguei o guichê, corri para a cozinha. Cada vez que me recompunha e chegava na porta para voltar eu me deparava com o caroço do velhote e desabava outra vez. Não teve jeito, o supervisor da bateria teve que passar minha fila para o caixa ao lado.

Bem, ao menos economizamos o dinheiro do prêmio do seguro!

Ary Taunay Filho - Guaíba (RS)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

MILAGRE

Esta história, mais que todas, merece ser lida. É uma lição de vida, de sofrimentos e de fé. Principalmente do resgate da fé quase perdida. Ela me foi enviada com a seguinte recomendação:

"Marcos,

Esta é uma história que não fecha com o objetivo das histórias do teu blog, mas é uma realidade. Não conto para postar, apenas para te contar, porque já são 4 da matina e perdi o sono."

Aqui peço desculpas ao autor por não atender seu pedido. Não terei sossego se egoisticamente guardar esse segredo que não me pertence.
Marcos Cordeiro.

Eis a história:

MILAGRE


Marcos, eu deixei o BB em 95 e iniciei um negócio de distribuição de pescado.
Comprei um furgão refrigerado e aluguei um espaço numa câmara fria para depositar meus produtos.
Ao lado funcionava uma lojinha de instalação de som automotivo e alarmes, pertencente a um ex-colega de Guaíba, que havia se transferido para o Cesec Bairro Anchieta no horário noturno.
Ali eu ficava nas horas vagas, entre uma entrega de mercadoria e outra.
Um dia ele me chamou e perguntou se eu não gostaria de participar de umas ações judiciais contra a Previ, que um outro ex-colega pedevista estava promovendo.
Não me interessei, até porque acreditava na época que a Previ não me devia nada, mas o colega, Marcos Castro, seu tocaio, insistiu dizendo: “Deixa de bobagem, me dá cá teus documentos, que tiro cópia aqui no fax, assina esta procuração e deixa a coisa correr”.
Assim concordei, entreguei meus documentos e assinei a tal procuração, mas quando ele me disse que deveria deixar 50 reais para despesas, aí a coisa mudou de figura e eu não quis nem saber mais de conversa.
Logo depois meu pequeno negócio não deu certo e eu me afastei dalí perdendo o contato com o Marcos Castro.
O tempo passou e as dificuldades vieram e com muita força. Meu dinheiro acabou, emprego eu não conseguia e para ajudar ainda tive um infarto em 1998 e outro em 2000. Fiquei em petição de miséria e não fosse minha mãe e minha esposa, que vendia roupas de porta em porta, não sei o que teria acontecido comigo.
No final de 2000, depois da cirurgia de ponte de safena, consegui um emprego como gerente local de uma transportadora sediada no interior do estado e por necessidade me obrigava a carregar caixas de iogurte dentro de uma câmara fria para nossos caminhões distribuírem durante a noite.
Foi realmente uma época difícil, meu médico queria me enforcar, mas eu realmente precisava.
Infelizmente a tal transportadora fechou e o proprietário, sem dinheiro o coitado, não tendo como me pagar, me deu um carro velho por conta. Realmente um verdadeiro “caco”, mas ao menos andava, meio mal, mas andava. Era tão velho que nem IPVA pagava mais e ainda por cima a álcool o miserável, mas era o que eu tinha, fazer o que.
Foi um trabalho que durou até meados de 2002 e logo consegui ajuizar ação contra o INSS e depois de muita luta me aposentei por invalidez, mas infelizmente com um valor muito baixo, valor este que só consegui aumentar para o teto depois de uma nova ação findada em 2005.
Era pouco, mas sem poder trabalhar e juntando com os “pingados” da minha esposa, dava para ao menos não morrer de fome.
No natal de 2003 o “calhambeque” ainda estava comigo, não que eu não tivesse tentado vender, mas a verdade é que ninguém queria e eu para fazê-lo andar já estava tão “craque” em carburador, que montava e desmontava até no escuro.
No dia 24 meu sogro mandou recado convidando para a ceia em sua casa, mas lá em Canoas, uns 30 km distante e a noite ainda por cima. Será que o “veículo” chega lá? Mas, como era por uma causa nobre, resolvi arriscar.
Não deu outra! Bem no vão central da ponte móvel do Rio Guaíba o “marvado” tossiu e não teve mais jeito. Empurrei ponte abaixo e parei na beira da rua. Montei, desmontei, remontei e lá pelas 3 h da madrugada consegui fazer o infeliz funcionar.
Claro, noite de natal perdida, voltei para casa e fui dormir. Depressão total!
Passados mais alguns dias, ano novo, vida nova, mas para os outros porque a minha continuava a mesma porcaria e até pior, porque a situação apertou de um jeito, que eu não tinha nem para comer mais.
Numa situação tão crítica conversei com a esposa e decidimos fazer a única coisa possível. Vamos tentar vender o “caco” e se ninguém quiser, vamos entregar para o desmanche, que pelo menos pode dar para as compras do mês.
Então fui para o centro de Guaíba, onde morava e moro até hoje, aproveitando para dar uma passada para visitar minha irmã, advogada e dona de uma imobiliária, onde trabalha junto com o marido.
Conversando sobre a situação crítica, muito calor lá fora e matando o tempo para aproveitar o ar condicionado, meu cunhado abriu a porta da sala dele e gritou: “Teu irmão ainda tá aí? Telefone prá ele!”
Pensei, “ué, quem pode ser? Quem saberia que estou aqui?”.
Fui atender e era o Marcos Castro, meu velho colega da lojinha de som: “Ary? Homem de Deus, onde tu andas? Faz uma semana que tento te achar. Lembra daquele advogado nosso colega? Aquele da ação contra a Previ?”
Surpreso, claro que eu não lembrava, afinal se passaram oito anos e muita água correu por debaixo da ponte: “Que advogado Marcos? Que ação de Previ? Não sei de nada?”
Então ele me explicou que o tal advogado, Dr. Barreto, precisava muito falar comigo. Deu-me um número de celular e me mandou ligar. Disse que o homem estava atrás de mim já há uns dois meses, que tinha ganhado uma ação e queria me pagar.
Claro que eu não entendi nada, afinal não entrara com ação nenhuma, certamente deveria ser engano, mas então a coisa ficou clara.
O tal advogado, depois de ter entrado com várias ações em grupos de três colegas, sobraram dois e ele procurava mais um para ajuizar a última. Esteve na lojinha do Marcos e perguntou se não havia mais alguém.
- Bem, não tenho mais ninguém, mas guardei os documentos e a procuração de um amigo, mas ele não quis pagar os 50 reais. É só o que tenho.
- Tudo bem, me dá esse aí mesmo sem os 50 reais, pelo menos eu fecho o grupo e ajuízo mais uma, a última.
Foi então que entendi o que tinha acontecido. Peguei o número de celular e liguei na hora, claro que num nervosismo só, afinal era dinheiro caindo do céu e isto não é todo dia.
A boca seca, as mãos tremendo, liguei e o homem atendeu.
- “Ary? É o Ary Taunay de Guaíba?
- Sim, sou eu mesmo!
- Finalmente te achei! Preciso falar contigo. Ganhamos a ação contra a Previ e estou com teu dinheiro. Encontra-me amanhã 11 h no saguão do Banrisul da Av. Cavalhada, que assinamos os recibos e já te dou o cheque!
E a ligação caiu. Tentei, tentei várias vezes e nada. Só dava telefone fora da área de cobertura. Continuei tentando até anoitecer, mas como minha irmã tinha que fechar, desisti e fui embora.
Embarcamos no “caco”, que escapou do desmanche por muito pouco e fomos para casa.
Naquela noite não dormimos. Nervos a flor da pele, porque o principal eu não fiquei sabendo. Afinal qual o valor do cheque? A noite foi de cálculos variados. Rebusquei papéis velhos da Previ, revisei todos os meus espelhos, calculei, recalculei, mas tudo sobre conjecturas, porque nem ao menos sabia do que se tratava a ação.
Amanhecendo o dia chegamos a conclusão de que deveria ser algo em torno de 5 mil reais, o que para nós já era uma fortuna e resolvia todos os meus problemas, dava até para consertar o “caco”.
A grana era curta demais e minha irmã me emprestara 20 reais para o combustível, mas minha esposa estava muito desconfiada, pois o Marcos era muito brincalhão e estávamos com medo que fosse algum trote, daqueles de fazer o sujeito ir lá para a frente do banco e ficar sonhando com cara de otário.
Por conta disso nos precavemos e fomos mais cedo e qualquer movimento estranho era só dar no pé antes do “click” de alguma máquina fotográfica.
Mas tudo transcorreu normalmente. Deu 11 horas e nada, mais um pouco e nada. Eu tremia que nem falava mais. Então estacionou uma Blazer do outro lado da rua e desceu um sujeito alto, pasta na mão, apressado. Eu não sabia quem era, muito menos se era o tal advogado, nunca o vi e nem sabia como era.
O sujeito entrou na agência, olhou em volta e me viu ali parado.
- Tu que é o Ary?
- Sim, sou eu.
-Prazer, Luis Barreto, estou com teus documentos e o cheque, vamos indo para o caixa porque estou atrasado. Na fila tu assina o recibo.
- Não Doutor! Espera aí, só um pouquinho. Afinal, que cheque? O que eu tenho para receber?
- Mas como? Eu disse ao telefone, tu não ouviste?
Botou a mão no bolso da camisa e me deu o cheque, dobrado. Eu abri e quase tive outro infarto. Estava ali, limpo e claro : Um cheque de 81 mil reais.
Eu não falava, mal respirava. Minha mulher tremia mais que vara verde e eu louco de medo, ainda não acreditava. Cheguei ao caixa. Ele mandou botar 80% na minha conta (era o banco da minha aposentadoria) e o resto na conta dele por conta dos honorários.
Eu ainda não acreditava. Tinha que ver as notas, então pedi 5 mil em dinheiro e a funcionária me deu. Era real, era verdade!
Assinei os papéis e ele foi embora.
Para ficar finalmente convencido, corri para o caixa eletrônico, saquei mais 1 mil reais e tirei extrato. Estava lá, tudinho na minha conta, aquele monte de números.
Amigo Marcos, se a minha fé em Deus estava em baixa por conta de tanta desgraça, fiz o “mea culpa” e pedi perdão.
Depois fiquei sabendo que nenhum dos processos dele tinha se resolvido ainda, pois a Previ embargava sem parar, apenas o meu, o último escapou, porque haviam perdido um prazo de recurso e foram obrigados a pagar.
Nunca me esquecerei deste dia.
Reformei minha casa e moro nela até hoje. Vendi o “caco” e comprei um que andava. Meu filho menor ganhou roupas novas e parou de usar sobras dos primos e tive o prazer de levá-lo para conhecer o Beto Carrero, mas o principal foi pagar minha dívida com o INSS e poder requerer a revisão do meu benefício, que chegou até um valor razoável para dar uma vida melhor aos que há tanto tempo me acompanhavam calados numa jornada tão penosa.


Ary Taunay Filho - Guaíba(RS)
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terça-feira, 13 de julho de 2010

PANQUECA

Marcos, eu fui um dos funcionários que inaugurou a Classe I (lembra delas?) de Barra do Ribeiro (RS) em 1982.
Antes disso funcionava como Pavan de Guaíba e eu já estava lá desde esta época. O Pavan fechava ao meio-dia e saiamos para almoçar num ou noutro lugar da pequena cidade, que não tinha mais do que três ou quatro lugares disponíveis.
Tínhamos um colega, companheiro para tudo e um verdadeiro amigaço, sempre preocupado com a hora do almoço. Para falar sem rodeios comia como um condenado.
Um dia, quando chegava ao banco pela manhã, um sujeito me abordou dizendo que estava abrindo um pequeno restaurante de comida caseira e gostaria que o pessoal fosse lá conhecer.
Informei aos demais e na hora do almoço fomos conferir.
Éramos quatro e o homem serviu com muito boa vontade os novos clientes, ainda mais no dia da inauguração.
Como prato principal colocou sobre a mesa uma travessa cheia de panquecas. Creio que tinha umas 30 ou 40 e nosso amigo “comilão” não perdeu tempo. Devorou quase tudo, claro, para espanto do proprietário, que vendo o sucesso do “prato especial” ficou feliz da vida.
No outro dia e nos dias seguintes, o homem como já tinha falado comigo da primeira vez, me tomou como amigo e parava na porta lá pelas 10 h da manhã e lascava bem alto: “Ô seu Ary, vamos lá hoje? Vai ter panqueca”.
Pronto, foi o que bastou, até hoje os ex-colegas me conhecem por “Ary Panqueca”, peguei a fama, não comi nenhuma e nem gosto de panqueca.

Ary Taunay Filho – Guaíba (RS)
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segunda-feira, 12 de julho de 2010

BANG - BANG

Não me lembro exatamente o ano, pois guardar datas e nomes nunca foram o meu forte. Mas, seguramente, o fato ocorreu no princípio da década de 1960, porque havia pouco tempo que chegara a Morrinhos(GO), vindo de Belo Horizonte.

Cheguei exatamente no dia 30 de Setembro de 1959, quando (esta data eu não me esqueço), em 1º de outubro, tomei posse como funcionário do Banco do Brasil.

Àquele tempo o Banco funcionava no prédio que pertencia ao saudoso Sr. Felício Chaves, localizado na esquina da Rua Rio Grande do Sul com a Av. Senador Hermenegildo de Morais. Era um prédio acanhado para comportar a agência do Banco, àquela altura já com 3 ou 4 anos de funcionamento e que contava já com uns 40 funcionários, sendo que a grande maioria provinha de vários estados do país, principalmente de São Paulo e de Minas Gerais.

À época, para os habitantes das grandes metrópoles brasileiras, o Estado de Goiás era tido como terra de índios e jagunços, onde imperava a lei dos valentes e do “38”. Trabalhar aqui, principalmente no interior, era como que participar de aventuras “Hollyoodianas”, com índios, bandidos e mocinhos. Entretanto, o “diabo” não era assim tão feio quanto se pintava; a realidade era bem outra.

Chegando em Morrinhos percebi que seu povo era formado por pessoas de bem, gente hospitaleira, honesta, trabalhadora, educada, ordeira e respeitadora da lei. Havia, é lógico, de vez em quando, um crime ou outro, como ainda os há, aqui, ali, em qualquer lugar. Lá fora, muito mais do que aqui. Não era como diziam os amigos e conhecidos, de Belo Horizonte, com as barbaridades e atrocidades que apregoavam:

- Você vai para Goiás? Fique sabendo que lá, quando você escapa dos índios, não escapa dos bandidos! Se não gostam de sua cara, te dão um tiro e apostam para ver de que lado você vai cair!

Um absurdo! Nunca vi qualquer índio ou bandido. Era tudo folclore do tempo em que ainda se procurava ouro e pedras preciosas.

Mas (existe sempre um porém), não é que, um belo dia, bem dentro de nossa agência, acontece uma destas tragédias que, não fora trágica, seria cômica.

Tínhamos, como sempre, grande movimento de clientes, principalmente de agropecuaristas a procura de financiamentos, já que aquela era a agência mais perto de uma grande região e Morrinhos uma das principais cidades da região sul do estado. Àquele dia, porém, no meio da semana, felizmente o banco estava com pouca movimentação.

Repentinamente, pelo meio do expediente, adentrou pela porta principal um homem empunhando um revólver, olhando para todos os lados, procurando alguém. Ao avistar o infeliz, que estava perto dos caixas, descarregou nele sua arma, prostrando-o ao chão.

Foi aquele alvoroço! No tumulto que se formou só se via gente correndo para todo lado. Os funcionários se escondiam debaixo das mesas e dos balcões. Alguém notou que uma bala perdida havia atingido o vidro de um dos caixas (eram dois). E cadê os caixas? Sumiram os dois!

Um deles, o Guilherme, um paulista descendente de alemães, um homenzarrão alto, forte, corado, desses que, pela alvura de sua pele chegava a ser vermelho (uma garotinha dissera que ele era “cor de rosa”), foi encontrado bem encolhidinho em baixo do balcão do caixa, branco como cera. O outro, o Figueredo, sumira de dentro da gaiola (que era o caixa antigamente) não se sabe como. O colega Evaldo, dizem as más línguas, mal conseguindo balbuciar algumas palavras, entrou engatinhando na sala do Gerente, quase se agarrando às suas pernas.

Os poucos clientes que se encontravam na agência se esparramaram, procurando sair dali de qualquer jeito. Eu, por minha vez, “bobo da cidade grande”, como estava um pouco distante dos acontecimentos, ao contrário dos outros, procurei chegar mais perto para ver o que tinha acontecido.

A cena foi tão imprevista e repentina, armou-se tanta confusão que, quando todos se deram conta do acontecido, a infeliz vítima esvaía-se em sangue no chão, talvez já morto, sem que ninguém ousasse se aproximar para prestar-lhe o devido socorro.

Enquanto isto, o criminoso, tranqüilamente, saiu do banco, montou em seu cavalo que estava à porta e foi-se embora. Nunca fiquei sabendo se fora preso ou não!



Hilton de Aquino - 4.208.280-3 - Caldas Novas(GO) - e-mail: hiltaquino@hotmail.com

sábado, 10 de julho de 2010

PERDI A COMISSÃO NO POKER

Lá no início da década de 90 minha agência estava abrindo vários Cavans, aqueles caixas avançados e o negócio gerava quilômetro rodado, meia diária e uma comissão de caixa executivo.
Eu estava concorrendo com outro colega para assumir a vaga de caixa num desses postos e ainda com o direito de viajar no meu próprio carro.
Todas as segundas e quintas-feiras o “clube do bolinha” da agência se reunia na AABB e a “picanha” corria solta na base do racha entre amigos.
Depois do churrasco alguns ficavam na mesa de sinuca e outros formavam uma roda de poker e a coisa se estendia até altas horas. O jogo era barato, mais para diversão, mas as vezes o negócio esquentava.
Numa noite dessas, poucos dias antes da escolha do “caixa executivo” do Cavan, recebemos a visita do Gerente Adjunto e ele optou pelo divertimento do “carteado” após o jantar.
Ocorre que o homem, gente finíssima, realmente um amigão dos funcionários, era meio chegado num “destilado”, mais precisamente um Natu Nóbilis e entre uma parada e outra mandava o litro com uma voracidade incrível, enquanto perdia incontrolavelmente no jogo.
Lá pelas 2h da madrugada restavam na mesa 5 jogadores, entre eles nosso adjunto, eu e o colega que concorria comigo à comissão do Cavan.
Dadas as cartas, meu jogo não servia e saí fora, assim como os demais, restando “meu concorrente” e nosso adjunto, mais vermelho do que um peru de tanto “Natu”.
O “meu concorrente” fez uma aposta baixa, mas nosso adjunto achou pouco e disse: “Vem cá guri, vamos aumentar esse negócio porque isto aqui é jogo de homem”, e puxou o talão de cheques dizendo “Diz até onde tu vai, que não sou de correr da briga”. Claro, “meu concorrente” ficou meio assustado, afinal era o chefe, mas de brincadeira disse: “Eu vou até o “SEU” VP”, e não é que o homem aceitou? Virou as cartas para mim e eu vi aquele jogo espetacular: Um “street flash” de espadas, completinho, do dez ao Ás.
Eu suei frio e fiquei louco para fazer um sinal para o meu amigo para que não topasse a parada, afinal o nosso adjunto já era E-12 e a paulada seria feia. Mas claro, se o “chefe” notasse eu estaria frito.
Cheques feitos e sobre a mesa, nosso adjunto encheu o peito e lascou: “Isto é para vocês aprenderem como se joga poker” e abriu as cartas sobre a mesa, enquanto já ia passando a mão nas fichas e nos cheques.
Aí o meu amigo, que aparentava uma tranqüilidade incomum para quem apostara um VP E-12 disse: “É POUCO”, a abriu um Royal Street Flash, lindo, lindo. Eu nunca tinha visto, tudo de ouros, do 10 ao Ás.
Marcos, nosso adjunto quase teve um infarto. Levantou e perdeu a compostura. “Seu guri isto, seu guri aquilo e mais um monte de impropérios”.
Embarcou no carro e lá se foi “cantando pneu”.
No outro dia o clima na agência ficou meio estranho. O homem, tão falante a brincalhão com o pessoal estava mudo e assim ficou por uns dias.
Numa manhã ele chamou “meu concorrente” e disse: “pega tuas coisas, teu carro e vai para o Cavan, a vaga é tua. Ah, e me desculpe aquelas bobagens daquela noite”.
Pronto, perdi uma comissão por conta de um carteado.
Pode?

Ary Taunay Filho - Guaíba(RS)
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quarta-feira, 7 de julho de 2010

ESTRATÉGIA SALVADORA

Aluízio Nicácio Cavalcanti





Feliciano de Medeiros Barbosa, funcionário do Banco do Brasil, em João Pessoa, marcou época com suas tiradas impagáveis, onde a irreverência e a sátira inteligente estavam, invariavelmente, presentes. Mesmo atingidos por suas espiritualíssimas brincadeiras, os colegas sempre o estimaram, rememorando, vez por outra, essas jocosas situações por ele criadas.

Do seu tempo no Banco, são: David Trindade, Adroaldo Gomes da Silva, Ayrton Lins Falcão, Antônio João Maribondo Vinagre, Arlindo Agra, Arnóbio de Alencar Assumpção, Carlos Coelho de Alverga Neto, Edísio Souto, Francisco Olívio de Souza Filho, Geraldo Teixeira de Carvalho, Ivanilton Martins Dinoá, Joás de Brito Pereira (seu cunhado), José do Patrocínio de Oliverira Lima, José Rodrigues de Lemos, Juarez da Silva Guedes, Luiz Hugo Guimarães, Ramon Dantas Maciel, Robson Maul de Andrade, entre muitos outros, inclusive o "locutor que vos fala".

Certa vez, quando presidente da AABB local, viajou Feliciano ao Rio de Janeiro, a trato de interesse do clube. Lá, foi hóspede de Luiz Carlos Florentino, seu colega de banco e amigo fraterno, que à época fazia um curso de pós-graduação na Cidade Maravilhosa.

Luiz Carlos prontificou-se a apresentar o nosso Feliciano ao diretor do Banco do Brasil, seu amigo, a cuja diretoria estava afeto o assunto da AABB que o levara ao Rio.

Agendada a visita ao diretor, saíram ao seu encontro e, coincidentemente, depararam-se com o homem logo no elevador do prédio onde estavam. Feita a apresentação, Feliciano apressou-se em explicar, ali mesmo, o motivo da sua viagem, que era o pleito para obter uma verba a ser aplicada na reforma da AABB em João Pessoa. O Diretor, sem mais delongas, decidiu na hora, para surpresa geral: "Pode voltar, se quiser, que a verba está concedida".

Resolvido, inesperadamente, o problema, Feliciano convidou Luiz Carlos para comemorar o feito e decidiram ficar por perto, ali mesmo em Copacabana, num bar próximo ao prédio onde estavam. A comemoração iniciou-se pelas 11 horas da manhã e, com a chegada de outros amigos e conterrâneos, foi-se estendendo até que, por volta das três da tarde, Luis Carlos, prudentemente, convidou Feliciano para encerrar a farra e voltar para o apartamento, lembrando-lhe que as esposas estariam ansiosas esperando-os e que já passara, e muito, da hora do almoço.

Feliciano então retrucou: "Olha, Cal, (como ele chamava Luiz Carlos), já que passamos da hora do almoço, não devemos ir agora, porque elas estarão furiosas, nos esperando; você conhece a Bispa (tratamento carinhoso que ele dedicava a sua esposa). Vá por mim. Vamos demorar mais um pouco e, lá para as seis da tarde chegaremos. Aí você vai ver que, ao invés de furiosas, elas estarão preocupadíssimas e a nossa chegada servirá de motivo para alegria e não para a bronca que agora nos espera".

Assim foi feito e a estratégia funcionou magnificamente. Chegaram por volta da meia noite e encontraram as famílias reunidas com mais alguns vizinhos do apartamento, todos de mãos dadas, irmanados em fervorosa oração. À entrada triunfal dos "desaparecidos" a alegria foi geral e, entre abraços, risos e lágrimas, foi organizada mais uma rodada de orações, como agradecimento pela graça alcançada; agora com a participação dos trânsfugas. O bafo de cerveja substituía, com vantagem, o incenso.




Aluízio Nicácio Cavalcanti - 0.584.480-0
nicaciocavalcanti@uol.com.br